quinta-feira, novembro 27

Osíris me visitou!

"Ao contemplar Deus, nos endeusamos?!"









Levantei mais cedo no domingo, nem sei porque, afinal não dá pra entender porque tem dia que dá vontade de levantar cedo, outro, só se acorda depois das 10h da matina...enfim, nada tem explicação! Mas a falta de explicação mais marcante não havia acontecido. Dei uma volta pelo quarteirão, comprei o jornal, óleo para o carro e depois voltei pra casa.
Estava tomando um café, quando tocou a campainha; Fui atender e qual não foi a minha surpresa quando desceu de uma moto, dessas antigas, o próprio OSÍRIS, um garoto bem magro, franzinho até, com uma jaqueta preta de couro e aquela peculiar tez egípcia e um olhar que mais parecia o de Hórus. Fiquei atônita diante do inusitado e gaguejante o convidei para entrar em minha casa.





Ele entrou, sentou numa cadeira vermelha e ficou me olhando com aquele olhar estranho. Por que Osíris estava me visitando? O que ele queria de mim? Estaria eu sonhando, é apenas um delírio? Fiquei me perguntando naquele eterno segundo. Fiquei conformada com minha falta de resposta, afinal, nunca tenho respostas concretas, apenas teses e antíteses que teimam em balançar por entre os dentritos.
Aquele estranho olhar seria Hórus disfarçado? O senhor dono das duas terras estaria de posse de Osíris? Teria ele já derrotado Seth? Sei lá, e depois, como eu poderia saber? Eu, tão pequena e tão sem nada...aham, deve ser isso, Osíris veio a serviço de Ísis, quem sabe veio me trazer alguma novidade, quem sabe veio me trazer um presente dela, tipo, alguma clareza sem contradições, uma clareza sustentável, tão palpável que pudesse levantar pelo menos um véu.
Mas ele sentou-se na minha cadeira vermelha e apenas queria um livro para ler. Então eu pensei em dar a ele a Clarice Lispector, tão profundamente intimista, filosófica, mas depois pensei melhor e resolvi dar um Jorge Amado mesmo, que é mais direto.
Nesse momento começou um temporal, desses que dá até medo na gente, barulhos de trovões e clarões de raios que pareciam cair por perto. Uma tempestade propícia?! Ele lia o livro e às vezes me olhava torto. Então fui ver (com olhar betiano) uma beringela no forno para ver se já estava pronta. Convidei-o para comer comigo e ele aceitou. Comeu a beringela de uma forma hu-ma-na-men-te comum. Devo ser exagerada mesmo, vai ver Osíris mudou de lado, resolveu fugir do Mundo Divino e comer beringelas com humanos comuns. Ou será que veio anunciar alguma desgraça? Bom, dizem que desgraça pouca é bobagem, portanto se ele anunciar mais uma, não é nenhuma novidade nesse planeta cheia delas.
Ele não me trouxe nenhum presente, a não ser o benefício da dúvida; não trouxe a clareza pra eu levantar mais um véu, apenas esses pensamentos desconexos que aqui deslizam libertinos; não anunciou nenhuma desgraça e nem contou se já havia derrotado Seth e como é que foi essa briga. Apenas deu uma olhada no jornal, leu alguns trechos do Jorge Amado e quando a chuva pesada passou, despediu-se e foi-se embora, do mesmo jeito que apareceu: Do Nada!!!

Elizabeth


"Eu sou quem instituiu as Iniciações entre os homens...Nenhum mortal levantou meu véu." (Ísis)


"Eu sou o Ontem, eu sou o Hoje, eu sou o Amanhã. Através dos meus numerosos nascimentos, permaneço jovem e vigoroso" (Hórus - Papiro Nebseni)




terça-feira, novembro 25

Um Verso Brincalhão





O universo brinca usando ferramentas, as mais diversas. Usa as pessoas, os objetos, a natureza, os fenômenos, a matéria em seus diferentes níveis ou em suas diferentes camadas (de cebola, como diria o Shrek?) desde a mais densa até a mais sutil, para sua empreitada.


É preciso uma leitura minuciosa do que está ao redor para poder decifrar a brincadeira. É preciso observar as nuances, lampejos sutis, frutos da ação e reação de toda manifestação umana, Humana, animal, vegetal e mineral. Todos os atos coordenados e em ressonância absoluta com as coisas manifestas e imanifestas, cognoscível e incognoscível que permeiam a vida banal ou profunda, dependendo dessa atenta observação.


É uma brincadeira danada, porque mexe no mundo mental, onde criam-se e recriam-se os hologramas e as efígies. É onde criador e criatura defrontam-se constantemente e se confundem. É onde o guardião do umbral fica na porta à espera da presa. É onde reside toda a sorte de desenganos. Mas também é a oportunidade de adentrar-se ao templo das formas de pensamentos mais puros.

Muito trabalho para adentrar a esses misteriosos portais!


Somos todos instrumentos de alguma coisa e para alguma coisa que está além da nossa simples compreensão, está além das aparências e tudo aquilo que parece ser, não é.


Mas quando escuto a nona sinfonia de Beethoven, sinto ressoar dentro dos meus neurônios algo antigo e incompreensível. Tenho a impressão que sei alguma coisa, mas ela está tão bem guardada que nunca vem à tona. Fico a ensimesmar-se sobre isso e não chego nunca a lugar nenhum, então, desisto de ouvir o grande mestre leonino e vou ouvir o som delicado de Chopin que aguça a minha sensibilidade. Fico então num silêncio tão profundo que tenho uma leve impressão que vou desaparecer. Não ouvir a si mesmo é entrar num vazio tão intenso e desconhecido que provoca medo e um desejo incontrolável de descobrir o começo de tudo. Onde será que fica esse começo? Onde será que fica o fim desse começo? Por que estamos sempre no meio dessa história?!




Elizabeth







segunda-feira, novembro 24

Os tempos são outros...Uma cidade diferente!!!


O Banhado de São José dos Campos




O Pico do Selado!!!





Os tempos são outros...Uma cidade diferente!!!





O tempo relativo das coisas que se espalham por aí.



Estive pensando nesse vai e vem da nossa cidade, nesse tumulto, indefinível caos.



Não sou daqui, sou lá do norte do Paraná, mas lembro do meu pai e da minha mãe contando as histórias mais envolventes sobre o vale do Paraíba dos anos 40, 50, 60.



Minha mãe, uma mulher humilde que morava lá pelos lados do bairro “Pau de Saia”, “Bengalar”, vinha a cavalo para o centro da cidade. Meu pai morava daqueles lados, no bairro do Turvo e também vinha montado em seu cavalo, até o centro. Casaram-se e aventuraram-se pelo sertão do Paraná. Muita gente nessa época saiu de São José para tentar uma vida nova pelas bandas do Paraná. Lá, eles teriam terras mais baratas.



Ouvi ao pé do fogão de lenha, lá na roça do Paraná, as histórias do “Corpo Seco” que meu pai contava nas noites claras de luar e que nos deixavam impressionados, por saber de coisas tão incríveis.



Contava ele, que os “Corpos Secos” eram aquelas pessoas que batiam no pai e mãe e quando morriam, ficavam com os braços pra fora do túmulo. Então o padre era chamado e o “Corpo Seco” ia lá pra igreja São Benedito. O padre levava a dita figura, depois de certo tempo, lá para o Pico do Selado.



Esse Pico era povoado pelos “Corpos Secos” e qualquer pessoa que por ali passasse a cavalo, a figura pulava na garupa e o cavaleiro não via nada, mas sentia o peso atrás de si. O cavalo nem conseguia carregar, mas quando chegava na ponte, algo inusitado acontecia: o cavalo ficava esperto, mais leve, e o cavaleiro tinha a sensação que algo havia saído da garupa. Na verdade, dizem todas as línguas, que o “Corpo Seco” nunca ultrapassa o rio. Só chega perto da ponte, mas não passa por ela. Ufa, era a salvação dos andantes das estradas ao redor do Pico. Dizia ainda, meu pai, que uma pessoa caridosa era voluntária para cortar os cabelos e as unhas dos corpos secos, pois cresciam rápido demais.



Eu sempre ficava imaginando como era esse Pico do Selado e achava esse nome tão exótico, tão diferente.



Minha mãe contava que anos mais tarde quando já tinha cinco filhos pequenos, teve que voltar a São José porque uma das minhas irmãs estava doente e tinha que fazer um tratamento sério. Nesses tempos, os irmãos mais velhos cuidavam da casa e os outros dois menores, ficavam numa creche. Ela começou a trabalhar numa pensão no centro da cidade e dizia que o Mazzarope sempre ficava por lá e até ajudava a comprar as coisas do almoço. Nessa época eu nem tinha nascido. Ela dizia que meus irmãos tinham pavor da mulher do pasto. Era uma mulher que morava no pasto para os lados de Santana e sempre carregava um saco nas costas. Era a Maria Peregrina.



O mais interessante era ouvir sobre o carnaval de rua, onde todos saiam para acompanhar os bonecões gigantes. E tudo ao som das antigas marchinhas. Tudo muito bucólico, muito poético.



A minha infância no interior do Paraná sempre foi regada por histórias joseenses, com seus encantos primitivos. A minha curiosidade e o desejo de conhecer esse lugar tão mágico e tão diferente era intenso.



Depois de tanto tempo ouvindo essas histórias encantadas pude constatar algumas delas quando toda minha família resolveu voltar para São José dos Campos.



Fui conhecer o Pico do Selado e senti arrepio ao passar por aquela montanha misteriosa. Todos me convidavam para fazer trilha por lá, mas confesso, nunca tive coragem. Aquelas histórias da infância ainda estavam lá, impressionando. Fiz trilha no morro do Guaxindiva, no Rio do Peixe, no Bairro do Turvo e muitos outros lugares...mas no Pico do Selado, nunca!!! Nunca entrei naquelas matas misteriosas, só fiquei observando de longe como um sinal inconsciente.



E rodando por essa cidade tão mágica, com portais e saídas para outras dimensões; cheias de nuvens com desenhos simbólicos que só os loucos sabem decifrar (o Solfidone decodificava todos eles, num tempo remoto); Com objetos não identificados e outros nem tão indecifráveis assim, voando por aí...encontrei muitas coisas interessantes e outras nem tanto.



Acabou-se a tuberculose, restaram os sanatórios, metamorfose cultural. Mas de tudo, não dá pra esquecer uma das coisas mais belas, mais preciosas, que é o Por do Sol no Banhado, que mais parece uma tela de Van Gogh...Um lugar onde os poetas dessa cidade, deleitavam-se nos fins de tarde em busca da verdadeira inspiração.



E agora, São José?



Elizabeth